terça-feira, 1 de dezembro de 2009

O SELF ESTÁ ALÉM DA MENTE - Sri Nisargadatta Maharaj - I Am That

Questionador: Quando criança, eu freqüentemente experimentava estados de completa felicidade, chegando ao êxtase. Mais tarde, eles cessaram. Mas desde que vim para a Índia eles reapareceram, principalmente depois que o encontrei. Ainda assim, esses estados, embora maravilhosos, não são duradouros. Eles vão e vêm sem que eu saiba quando voltarão.

Maharaj: Como alguma coisa pode permanecer estável em uma mente, quando ela mesma não é estável?

Q: Como posso tornar minha mente estável?

M. Como pode uma mente instável tornar-se a si mesma estável? É claro que não pode. É natureza da mente ficar vagando. Tudo que se pode fazer é deslocar o foco da consciência para além da mente.

Q: Como se faz isso?

M: Recuse todos os pensamentos, exceto um: o pensamento "Eu Sou". A mente se rebelará no início, mas com paciência e perseverança, ela irá render-se e ficar quieta. Uma vez quieta, as coisas começarão a acontecer espontânea e naturalmente, sem nenhuma interferência da sua parte.

Q: Posso evitar esta batalha com minha mente?

M: Sim, você pode. Apenas viva sua vida da maneira como ela se apresenta, mas fique alerta, vigilante, permitindo que cada coisa aconteça da maneira que acontecer, fazendo as coisas naturais de um jeito natural, sofrendo, regozijando-se, da forma como as coisas vierem. Esta também é uma maneira.

Q: Bem, então eu posso também me casar, ter filhos, tocar um negócio... ser feliz.

M: Certamente. Você pode ser feliz ou não, a escolha é sua.

Q: Bem, eu quero a felicidade.

M: A verdadeira felicidade não pode ser encontrada em coisas que mudam e se vão. Prazer e dor se alternam inexoravelmente. A felicidade vem do self e pode ser encontrada somente nele. Encontre o seu self real (swarupa) e tudo mais virá com ele.

Q: Se o meu verdadeiro self é paz e amor, por que ele é tão inquieto, tão agitado?

M: Não é seu ser real que é agitado, mas seu reflexo na mente é que parece agitado, pois a mente é agitada. É como o reflexo da lua na água movimentada pelo vento. O vento do desejo agita a mente e o "eu", que nada mais é do que o reflexo do Self na mente, parece mutável. Mas essas idéias de movimento, inquietação, prazer e dor estão todas na mente. O Self está além da mente, consciente, mas sem envolvimento.

Q: Como alcançá-lo?

M: Você é o Self, aqui e agora. Deixe a mente em paz, fique consciente, não se envolva e você irá perceber que permanecer alerta mas desprendido, assistindo os acontecimentos indo e vindo, é um aspecto da sua natureza real.

Q: Quais são os outros aspectos?

M: Os aspectos são em número infinito. Conheça um e você conhecerá todos.

Q: Diga alguma coisa que possa me ajudar.

M: Você é quem sabe melhor o que você necessita!

Q: Eu não tenho descanso. Como posso obter paz?

M: Para que você quer paz?

Q: Para ser feliz.

M: Você não é feliz?

Q: Não, eu não sou.

M: O que o torna infeliz?

Q: Eu tenho o que não quero, e quero o que não tenho.

M: Por que você não inverte a situação: queira o que você tem e não se importe com o que não tem?

Q: Eu quero o que é prazeroso e não quero o que é doloroso.

M: Como você sabe o que é prazeroso ou não?

Q: Em função da experiência passada, é claro.

M: Guiado pela memória você tem perseguido o prazeroso e fugido do não prazeroso. Você tem obtido sucesso?

Q: Não, não tenho. O prazeroso não dura. A dor instala-se novamente.

M: Que dor?

Q: O desejo pelo prazer, o medo da dor, ambos são estados de angústia. Existe um estado de prazer puro?

M. Cada prazer, físico ou mental, necessita de um instrumento. Tanto os instrumentos físicos como mentais são materiais, eles cansam e tornam-se batidos. O prazer que eles proporcionam é necessariamente limitado em intensidade e duração. A dor é o pano de fundo de todos os seus prazeres. Você os quer porque você sofre. Por outro lado, a busca pelo prazer é a causa da dor. É um círculo vicioso.

Q: Eu posso ver o mecanismo da minha confusão, mas não vejo a forma de sair dele.

M: O exame detalhado do mecanismo mostra o caminho. Afinal, sua confusão está só na sua mente, que nunca lutou muito contra a confusão e nunca se agarrou tanto a ela. Sua mente se rebela apenas contra a dor.

Q: Então, tudo o que tenho a fazer é permanecer confuso?

M: Fique alerta. Questione, observe, investigue, aprenda tudo que puder sobre a confusão, como ela opera, o que ela faz a você e aos outros. Ao esclarecer a confusão você se livrará dela.

Q: Quando olho para dentro de mim, percebo que meu desejo mais forte é criar um monumento, construir alguma coisa que possa durar mais do que eu. Mesmo quando eu penso em um lar, esposa e filhos, é porque eles são uma testemunha duradoura e sólida de mim mesmo.

M: Certo, construa um monumento para você. Como você pensa fazer isso?

Q: Importa pouco o que eu construo, desde que seja permanente.

M: Certamente, você vê por si mesmo que nada é permanente. Tudo se desgasta, quebra, dissolve. O próprio chão onde você constrói também desaparecerá. O que você pode construir que dure mais que tudo?

Q: Intelectualmente, verbalmente, estou consciente de que tudo é transitório. Ainda assim, de alguma forma meu coração deseja permanência. Quero criar algo que dure.

M: Então você precisa construir isso com alguma coisa duradoura. O que você tem que é duradouro? Nem seu corpo, nem sua mente duram. Você precisa procurar em outro lugar.

Q: Eu anseio pela permanência, mas não a encontro em nenhum lugar.

M: Você, você mesmo não é permanente?

Q: Eu nasci e meu destino é morrer.

M: Você pode verdadeiramente dizer que você não era antes de nascer e você pode possivelmente dizer quando estiver morto: "Agora eu não sou mais"? Você não pode dizer, pela sua própria experiência, que você não é. Você só pode dizer "Eu sou". Os outros também não podem dizer-lhe "você não é".

Q: Não há "Eu sou" no sono.

M: Antes de fazer tais afirmações examine cuidadosamente seu estado de vigília. Você logo descobrirá que ele está cheio de falhas, quando a mente fica em branco. Perceba como você se recorda pouco mesmo quando totalmente acordado. Você não pode dizer que você não estava consciente durante o sono. Você apenas não se lembra. Uma falha na memória não é necessariamente uma falha na consciência.

Q: Posso lembrar, por mim mesmo, meu estado de sono profundo?

M: É claro! Eliminando os intervalos durante suas horas de vigília você gradualmente eliminará os longos intervalos de ausência da mente, que você chama de sono. Você ficará consciente de que está dormindo.

Q: Mas o problema da permanência, da continuidade do ser, ainda continua sem solução.

M: A permanência é mera idéia, nascida da ação do tempo. O tempo, por sua vez, depende da memória. Por permanência você entende uma memória que não falha através de um tempo que seja contínuo. Você quer eternizar a mente, o que não é possível.

Q: Então o que é eterno?

M: Aquilo que não muda com o tempo. Você não pode eternizar uma coisa transitória - somente o imutável é eterno.

Q: Estou familiarizado com o sentido geral do que você diz. Não desejo mais conhecimento. Tudo que eu quero é paz.

M: Você pode obter toda paz que você quer apenas pedindo.

Q: Eu estou pedindo.

M: Você deve pedir com um coração não dividido e viver uma vida integrada.

Q: Como?

M: Desprenda-se de tudo que não deixa sua mente descansar. Renuncie a tudo que perturba sua paz. Se você quer paz, mereça-a.

Q: Certamente todos merecem paz.

M: Somente a merecem aqueles que não a perturbam.

Q: De que forma eu perturbo a paz?

M: Sendo um escravo de seus desejos e medos.

Q: Mesmo quando eles são justificáveis?

M: Reações emocionais, nascidas da ignorância e da inadvertência, nunca se justificam. Procure uma mente clara e um coração limpo. Tudo que você precisa é manter-se bem alerta, investigando a verdadeira natureza de você mesmo. Este é o único caminho para a paz.

A OBSESSÃO COM O CORPO - Sri Nisargadatta Maharaj - I Am That

D: Maharaj, você está sentado aí, diante de mim e eu estou aqui a seus pés. Qual a diferença básica entre nós?

M: Não há nenhuma diferença básica.

D: Mas, ainda assim parece ter alguma diferença real. Eu vim a você, você não veio até mim.

M: É porque você imagina essas diferenças que você veio aqui e vai ali em busca de uma pessoa superior.

D: Mas você é uma pessoa superior. Você alega conhecer a realidade enquanto eu não.

M: Eu por acaso lhe disse que você não sabe nada e, portanto, que você é inferior? Deixe aqueles que criaram essas distinções, prová-las. Eu não alego conhecer algo que você não conhece. Na verdade eu sei muito menos do que você.

D: Suas palavras são sábias, seu comportamento é nobre e sua graça é poderosa.

M: Eu não sei nada sobre tudo isso e não vejo diferença nenhuma entre você e eu. A minha vida é uma sucessão de eventos exatamente como a sua. A única coisa é que estou desapegado e vejo o show que passa somente como um show que passa enquanto você se apega às coisas e vai com elas de um lado para o outro.

D: O que o torna uma pessoa tão imparcial?

M: Nada em especial. Aconteceu que eu acreditei no meu Guru. Ele me disse que eu não sou nada além de mim mesmo, e eu acreditei nele. Acreditando nele, eu passei a me comportar de acordo e parei de me preocupar com tudo o que não era eu ou que não era do meu ser.

D: Por que você foi tão bem aventurado em acreditar totalmente no seu professor enquanto nossa fé é nominal e verbal?

M: Quem pode dizer? Isso simplesmente aconteceu. Coisas acontecem sem causa e sem razão e, de qualquer forma, que diferença faz quem é quem? A sua elevada opinião sobre mim é apenas a sua opinião. A qualquer momento você pode mudá-la. Por que dar tanta importância a opiniões, mesmo que sejam as suas?

D: Ainda assim você é diferente. Sua mente parece estar sempre quieta e feliz e milagres acontecem a sua volta.

M: Eu não sei nada sobre milagres. E fico pensando se a natureza admite exceções às suas leis, a menos que concordemos que tudo seja um milagre. Para mim, isso não existe. Há uma consciência onde tudo acontece. Esses milagres são bastante óbvios e fazem parte da experiência de todos. Você apenas não olha com o cuidado suficiente. Olhe atentamente e veja o que eu vejo.

D: E o que você vê?

M: Eu vejo o que você também pode ver aqui e agora, mas pelo foco errado da sua atenção. Você não dá atenção a si próprio. Sua mente está cheia de coisas, pessoas e idéias, nunca com você mesmo. Coloque a si mesmo dentro do foco. Torne-se consciente da sua própria existência. Veja como você funciona, verifique os motivos e os resultados das suas ações. Estude a prisão que você, inadvertidamente, construiu a sua volta. Descobrindo o que você não é você acabará se conhecendo. O caminho de volta a si mesmo vai através da recusa e da rejeição. Uma coisa é certa: o real não é imaginário, não é produto da mente. Até mesmo o sentido de "eu sou" não é continuo, apesar de ser um sinalizador útil; ele mostra onde procurar mas não o que procurar. Apenas dê uma boa olhada nisso. Uma vez que você estiver convencido de que você não pode dizer verdadeiramente nada sobre si próprio, exceto "eu sou", e de que nada para o que você possa apontar pode ser você mesmo, a necessidade do "eu sou" termina. Você não mais tentará verbalizar o que você é. Tudo o que você precisa é livrar-se da tendência de definir a si mesmo. Todas as definições aplicam-se somente ao seu corpo e às suas expressões. Uma vez que esta obsessão com o corpo termine, você reverterá ao seu estado natural, espontaneamente e sem esforço. A única diferença entre nós é que eu estou consciente do meu estado natural, enquanto você está a devanear. Assim como o ouro usado numa jóia não leva nenhuma vantagem em relação ao ouro em pó, exceto quando a mente as cria, assim também somos uno em essência - diferimos apenas na aparência. Descobrimos isto sendo sinceros, procurando, inquirindo, questionando diariamente, a toda hora, dedicando uma vida a essa descoberta.

MEDITAÇÃO - Sri Nisargadatta Maharaj - I Am That

Discípulo: Todos os professores nos aconselham a meditar. Qual é o objetivo da meditação?

Maharaj: Nós conhecemos o mundo exterior de sensações e ações mas, do nosso mundo interior de pensamentos e sentimentos nós conhecemos muito pouco. O objetivo inicial da meditação é tornar-se consciente e familiarizar-se com a vida interior. O objetivo final é alcançar a fonte de vida e consciência.

Incidentemente, a prática da meditação afeta profundamente nosso caráter. Nós somos escravos do que não conhecemos. Daquilo que conhecemos, somos mestres. Qualquer que seja o vício ou a fraqueza, se os descobrimos dentro de nós e entendemos as suas causas e como funcionam, nos tornamos capazes de superá-los por conhecê-los bem. O inconsciente se dissolve quando trazido à consciência. A dissolução do inconsciente libera energia: a mente se sente adequada e se torna quieta, silenciosa.

D: Para que serve uma mente quieta?

M: Quando a mente está quieta nós podemos nos perceber como puros observadores. Nós nos afastamos da experiência e do experimentador e nos mantemos a parte, no estado de pura consciência, a qual está entre e além dos dois. A personalidade, baseada na identificação com o ego e em imaginar que somos alguma coisa: "Eu sou isto, eu sou aquilo", continua, mas somente como parte do mundo objetivo. A sua identificação com a testemunha se quebra.

D: Até onde eu sei, vivemos em muitos níveis e a vida em diferentes níveis requer energia. O ego, pela sua natureza se delicia com tudo e sua energia se dispersa. Não é o objetivo da meditação repressar a energia em seus níveis superiores ou movimentá-las para baixo e para cima, permitindo que os níveis superiores do ser se desenvolvam?

M: Isso tem mais a ver com os gunas (qualidades) do que com níveis. A meditação é uma atividade sátvica e que se volta para a completa eliminação de tamas, a inércia e rajas, a mobilidade ou atividade. Satva puro (harmonia) é a perfeita libertação da indolência e da agitação.

D: Como fortalecer e purificar Satva?

M: Satva é pura e forte sempre. É como o sol que pode parecer obscurecido pelas núvens ou pelo pó, mas somente do ponto de vista do observador. Trabalhe com as causas do obscurecimento, não com o sol.

D: Para que serve Satva?

M: Para que serve a verdade, a bondade, a harmonia, a beleza? Essas qualidades são metas em si mesmo. Elas se manifestam espontaneamente, sem nenhum esforço quando deixamos as coisas seguirem seu curso, quando não interferimos, quando não evitamos, ou desejamos ou conceituamos, mas simplesmente as experienciamos em total consciência. Essa consciência, por si só é Satva. Satva não utiliza coisas e nem é usada pelas pessoa, ela as preenche.

D: Como eu não posso incrementar satva, devo trabalhar com tamas e rajas somente? Como faço para lidar com elas?

M: Observando suas influências em você e sobre você. Esteja consciente delas em operação. Observe-as se expressando em seus pensamentos, palavras e atos. Gradualmente a força delas sobre você diminuirá e a clara luz de satva começará a emergir. Isso não é nem difícil e nem um longo processo. A seriedade e sinceridade são as únicas condições para o sucesso.

QUEM É SRI NISARGADATTA MAHARAJ?

biografia foi retirada do livro "I Am That"

Quando perguntavam sobre a data de seu nascimento, o Mestre replicava brandamente que ele nunca nasceu!

As poucas informações existentes sobre ele foram coletadas com familiares e amigos e, muitas vezes, são incongruentes. Conta-se que ele nasceu na lua cheia de Março de 1897, que coincide com o festival Hanuman Jayanti, quandos os hindus homenageiam Hanuman, o famoso deus-macaco do Ramayana. Por isso, o recém-nascido recebeu o nome de Maruti (outro nome de Hanuman).

O garoto cresceu quase sem instrução, numa família pobre e seu pai trabalhava como serviçal numa residência em Bombay. Mais tarde, a família se mudou para uma pequena fazenda num vilarejo próximo à floresta de Ratnagiri, Maharastra. Maruti auxiliava seu pai nos afazeres da fazenda e suas diversões eram tão simples como seu trabalho, mas ele foi contemplado com uma mente inquisitiva, que borbulhava com questões de todos os tipos.

Quando Maruti completou 18 anos, seu pai faleceu deixando a viúva e seus seis filhos. Isto obrigou Maruti a mudar-se para Bombay em busca de melhores rendimentos para ajudar sua família. Após trabalhar algum tempo como auxiliar em um escritório, ele conseguiu montar uma pequena loja onde vendia roupas para crianças, tabaco e cigarros artezanais. Dizem que esse negócio cresceu e lhe proporcionou alguma estabilidade financeira. Nesse período ele se casou e teve um filho e três filhas.

Até a meia idade, Maruti viveu uma vida normal, como a de qualquer outro indiano. Um amigo lhe apresentou um dia, ao mestre Sri Siddharameshwar Maharaj e este foi seu ponto de mutação. O Guru lhe deu um mantra e algumas instruções sobre meditação. Logo no início de sua prática, Maruti começou a ter visões e chegando a entrar em trance algumas vezes. Alguma coisa explodiu dentro dele dando nascimento à uma consciência cósmica e um sentido de vida eterna. A identidade de Maruti, o pequeno comerciante, se dissolveu e a personalidade iluminada de Sri Nisargadatta emergiu.

Após sua experiência de iluminação, Sri Nisargadatta Maharaj começou a viver uma vida dupla. ele continuava conduzindo seus negócios, mas não era mais o mercador preocupado com o lucro. Mais tarde, decidiu abandonar sua família e sua loja (como é costume na Índia) e viver como peregrino. Com os pés descalços, se encaminhou para os Himalaias onde planejava passar o resto de seus anos em busca da vida eterna. Mas logo retrocedeu e percebeu a futilidade dessa busca. A vida eterna não era algo para ser desejado. Ele já a possuia. Tendo ido além da idéia de "eu sou este corpo", ele penetrou num estado mental tão cheio de alegria, paz e glória que qualquer coisa lhe parecia inútil comparado a essa sensação.

Embora sem instrução, seus diálogos são iluminadores num grau extraordinário. Embora tenha nascido e crescido na pobreza, ele é o mais rico dos homens, pois é dono de uma ilimitada abundância de conhecimento perene. Ele é caloroso e gentil, perspicaz e bem-humorado, absolutamente sem medos e totalmente verdadeiro, inspirando, guiando e dando suporte a todos que o procuram.

Qualquer tentativa de escrever uma nota biográfica sobre tal homem é frívola e fútil. Porque ele não é um homem com um passado ou um futuro; ele é o presente vivo - eterno e imutável. Ele é o Self que se tornou todas as coisas.

Seu principal livro é "I Am That", onde estão transcritas suas conversas com os seus discípulos. Sri Nisargadatta Maharaj faleceu em 1981.

"A parábola dos talentos", do lindo rubens alves...

Havia um homem muito rico, possuidor de vastas propriedades, que era apaixonado por jardins. Os jardins ocupavam o seu pensamento o tempo todo e ele repetia sem cessar: "O mundo inteiro ainda deverá se transformar num jardim. O mundo inteiro deverá ser belo, perfumado e pacífico. O mundo inteiro ainda se transformará num lugar de felicidade." Suas terras eram uma sucessão sem fim de jardins, jardins japoneses, ingleses, italianos, jardins de ervas, franceses. Era um trabalhão cuidar dos jardins. Mas valia a pena pela alegria. O verde das folhas, o colorido das flores, as variadas simetrias das plantas, os pássaros, as borboletas, os insetos, as fontes, as frutas, o perfume...



Sozinho ele não daria conta. Por isso anunciou que precisava de jardineiros. Muitos se apresentaram e foram empregados. Aconteceu que ele precisou fazer uma longa viagem. Iria a uma terra longínqua comprar mais terras para plantar mais jardins. Assim, chamou três dos jardineiros que contratara, Paulo, Hermógenes e Boanerges e lhes disse: "Vou viajar. Ficarei muito tempo longe. E quero vocês cuidem de três dos meus jardins. Os outros, já providenciei quem cuide deles. A você, Paulo, eu entrego o cuidado do jardim japonês. Cuide bem das cerejeiras, veja que as carpas estejam sempre bem alimentadas... A você, Hermógenes, entrego o cuidado do jardim inglês, com toda a sua exuberância de flores pelas rochas... E a você, Boanerges, entrego o cuidado do jardim mineiro, com romãs, hortelãs e jasmins." Ditas essas palavras ele partiu. O Paulo ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim japonês. O Hermógenes ficou muito feliz e pôs-se a cuidar do jardim inglês. Mas o Boanerges não era jardineiro. Mentira ao se oferecer para o emprego. Quando ele viu o jardim mineiro ele disse: "Cuidar de jardins não é comigo. É trabalho demais..." Trancou então o jardim com um cadeado e o abandonou. Passados muitos dias voltou o Senhor dos Jardins, ansioso por ver os seus jardins. O Paulo, feliz, mostrou-lhe o jardim japonês, que estava muito mais bonito do que quando o recebera. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Veio o Hermógenes e lhe mostrou o jardim inglês, exuberante de flores e cores. O Senhor dos Jardins ficou muito feliz e sorriu. Aí foi a vez do Boanerges. E não havia formas de enganar.

"Ah! Senhor! Preciso confessar: não sou jardineiro. Os jardins me dão medo. Tenho medo das plantas, dos espinhos, das taturanas, das aranhas. Minhas mãos são delicadas. Não são próprias para mexer com a terra, essa coisa suja... Mas o que me assusta mesmo é o fato das plantas estarem sempre se transformando: crescem, florescem, perdem as folhas. Cuidar delas é uma trabalheira sem fim. Se estivesse no meu poder, todas as plantas e flores seriam de plástico. E a terra seria coberta com cimento, pedras e cerâmica, para evitar a sujeira. As pedras me dão tranquilidade. Elas não se mexem. Ficam onde são colocadas. Como é fácil lavá-las com esguicho e vassoura! Assim, eu não cuidei do jardim. Mas o tranquei com um cadeado, para que os traficantes e os vagabundos não o invadissem." E com estas palavras entregou ao Senhor dos Jardins a chave do cadeado. O Senhor dos Jardins ficou muito triste e disse: "Esse jardim está perdido. Deverá ser todo refeito. Paulo, Hermógenes: vocês vão ficar encarregados de cuidar desse jardim. Quem já tinha jardins ficará com mais jardins. E, quanto a você, Boanerges, respeito o seu desejo. Você não gosta de jardins. Vai ficar sem jardins. Você gosta de pedras. Pois, de hoje em diante, você irá quebrar pedras na minha pedreira..."

as tres transformacoes do espirito, de Friedrich Nietzche, do livro Assim Falou Zaratustra

Três transformações do espírito vos menciono: como o espírito se muda em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança.

Há muitas coisas pesadas para o espírito, para o espírito forte e sólido, respeitável. A força deste espírito está clamando por coisas pesadas, e das mais pesadas.

Há o quer que seja pesado? — pergunta o espírito sólido. E ajoelha-se igual camelo e quer que o carreguem bem. Que há mais pesado, heróis — pergunta o espírito sólido — para eu o ditar sobre mim, para que a minha força se recreie?

Não será rebaixarmo-nos para o nosso orgulho padecer?

Deixar brilhar a nossa loucura para zombarmos da nossa sabedoria?


Ou será separarmo-nos da nossa causa quando ela festeja a sua vitória? Escalar altos montes para tentar o que nos tenta?

Ou será sustentar-nos com bolotas e erva do conhecimentos e sofrer fome na alma por causa da verdade? Ou será estar enfermo e despedir a consoladores e travar amizade com surdos que nunca ouvem o que queremos?

Ou será nos afundar em água suja quando é a água da verdade, e não afastarmos de nós as frias rãs e os quentes sapos?

Ou será amar os que nos desprezam e estender a mão ao fantasma quando nos quer assustar?

O espírito sólido sobrecarrega-se de todas estas coisas pesadíssimas; e à semelhança do camelo que corre carregado pelo deserto, assim ele corre pelo seu deserto. No deserto mais solitário, porém, se efetua a segunda transformação: o espírito torna-se leão; quer conquistar a liberdade e ser senhor no seu próprio deserto.

Procura então o seu último senhor, quer ser seu inimigo e de seus dias; quer lutar pela vitória com o grande dragão.

Qual é o grande dragão a que o espírito já não quer chamar Deus nem senhor?


“Tu deves”, assim se chama o grande dragão; mas o espírito do leão diz: “Eu quero”.

O “tu deves” está postado no seu caminho, como animal escamoso de áureo fulgor; e em cada uma das suas escamas brilha em douradas letras: “Tu deves!”

Valores milenares cintilam nessas escamas, e o mais poderoso de todos os dragões fala assim:

“Em mim brilha o valor de todas as coisas”.

“Todos os valores foram já criados, e eu sou todos os valores criados. Para o futuro não deve existir o “eu quero!” Assim falou o dragão.

Meus irmãos, que falta faz o leão no espírito? Não será suficiente a besta de carga que abdica e venera?

Criar valores novos é coisa que o leão ainda não pode; mas criar uma liberdade para a nova criação, isso pode-o o poder do leão. Para criar a liberdade e um santo NÃO, mesmo perante o de ver; para isso, meus irmãos, é preciso o leão.

Conquistar o direito de criar novos valores é a mais terrível apropriação aos olhos de um espírito sólido e respeitoso. Para ele isto é uma verdadeira rapina e próprio de um animal rapace.

Como o mais santo, amou em seu tempo o “tu deves” e agora tem de ver a ilusão e arbitrariedade até no mais santo, a fim de conquistar a liberdade à custa do seu amor. É preciso um leão para esse feito...
Dizei-me, porém, irmãos: que poderá a criança fazer que não haja podido fazer o leão? Para que será preciso que o altivo leão se mude em criança?

A criança é a inocência, é o esquecimento, um novo começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa afirmação.


Sim; para o jogo da criação, meus irmãos, é necessário uma santa afirmação: o espírito quer agora a sua vontade, o que perdeu o mundo quer alcançar o seu mundo. Três transformações do espírito vos mencionei: como o espírito se transformava em camelo, e o camelo em leão, e o leão, finalmente, em criança”.

Assim falou Zaratustra. E nesse tempo residia na cidade que se chama “Vaca Malhada”.
Friedrich Nietzche

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Fluir e deixar fluir

Solte.
Arremate-se de dentro para fora e de fora para dentro.
Solte-se.
No avesso em que se enxerga solte-se.
Solte-se dos credos, dos medos, dos elos, do tempo.
Solte as impressões, as amarrações, as dúvidas, as angústias, a etiqueta, as certezas (porque nada é certo), as opiniões, as ilusões, os desejos, as mágoas, a raiva então dissolva-a na água que FLUI,
mas então solte-se e mergulhe em si mesmo
e será nesse mergulhar que encontrará o que busca e que está tão próximo a si.
FLUA para dentro.
DEIXE FLUIR-SE.